Sociedade Alternativa
O início dos anos setenta é guardado com imenso carinho por aqueles que
os viveram intensamente, formando a romântica juventude daquele
tumultuado período.
O eternamente pouco populoso meio thelêmico não escaparia (felizmente)
do romantismo que tomou conta da assim chamada geração para frente
Brasil.
Entre tantos que estiveram em contato inicial com o assim chamado
Sistema thelêmico de realização espiritual, dois nomes despontam, bem
mais pelo futuro que o destino lhes reservaria, do que pelo
conhecimento, propriamente dito, da matéria elaborada por Aleister
Crowley
(1875-1947): os nomes são, Raul Seixas e Paulo Coelho.
Início de tudo: Raul Seixas conheceu Paulo Coelho em 1973, através de um artigo
publicado na revista “A Pomba”, do próprio Paulo Coelho. A partir deste
momento, nascia a tão famosa parceria musical que viria a projetar os
dois no cenário nacional.
Paulo Coelho, então em contato com Marcelo Ramos Motta (1931-1987),
tomava suas primeiras instruções sobre Crowley e a Lei de Thelema. O
fascínio pela filosofia desenvolvida pelo controvertido mago Inglês, não
tardou a contagiar o promissor jovem escritor que, logo em seguida, a
apresentaria a Raul Seixas. A vida e a obra dos dois foram fortemente
marcadas por este período.
Motta, então, escreve para um de seus discípulos (Euclydes Lacerda de
Almeida), pedindo para que este se responsabilizasse pelo
desenvolvimento de Paulo Coelho, tanto na A.’.A.’. quanto na sua
particular versão da O.T.O.. Marcelo Motta também comporia algumas
músicas em parceria com Raul Seixas e Paulo Coelho. Entre as mais
famosas estão as belas “A Maçã”, “Tente Outra Vez” e “Novo Aeon” (essa
ultima em parceria com Cláudio Roberto).
Paulo Coelho, seguindo a orientação de Motta, estabelece contato com a
pessoa indicada e esta o aceita como Postulante e Estudante da Lei de
Thelema. A significativa troca de correspondência entre Paulo Coelho e
seu novo Instrutor durante o período 1973-74 nos dá a certa medida do
entusiasmo e dedicação com que Paulo Coelho, desenvolvendo seus estudos,
também tomava para si a responsabilidade de divulgação da Obra do
controvertido mago Aleister Crowley. Este trecho de uma carta de Paulo
Coelho, datada de 26/03/74, nos dá uma idéia de seu entusiasmo, bem como
seu envolvimento com a filosofia thelêmica: “… como tomamos [Paulo e
Raul] Crowley, principalmente Liber OZ, como base de um estudo social a
que nos propomos, gostaria de ouvir e ser constantemente orientado por
vocês no sentido de não comprometer nada, falando demais ou falando
errado. Informe urgentemente como devemos continuar agindo na divulgação
de todos os nossos ideais e nossas idéias.”
Seu treinamento mágico teve início formal em 01/01/1974. Em seguida,
Paulo Coelho seria admitido na O.T.O. de Motta, assumindo como Mote
Mágico (ou nome mágico) “Frater Staars”. Raul Seixas e Paulo Coelho,
inspirados pela Lei de Thelema e pela Obra de Aleister Crowley, também
formulariam um movimento que ficou conhecido com A Sociedade
Alternativa, cujo hino, a música que leva o mesmo nome, é a própria
declaração da Lei de Thelema.
Paulo Coelho, bem mais organizado que Raul Seixas, seguia firme com
suas práticas e estudos thelêmicos. No dia 19 de maio de 1974, Paulo
Coelho formaliza seu Juramento ao Grau de Probacionista, sendo admitido
na A.’.A.’. com o Mote Mágico “Frater Luz Eterna – 313″ (e não
“Lúcifer”, como erroneamente divulgado por certos autores nacionais).
Junto a seu Juramento, envia uma carta em que seus ideais ficam expostos
de forma bem clara. Nela, Paulo Coelho diz o seguinte:
“Continuamos a divulgar de todas as formas o Liber OZ, [...] A
Sociedade Alternativa continua com o sucesso de sua caminhada no sentido
de construir as bases sociais para uma verdadeira civilização
thelêmica.”
No entanto a eternidade de sua luz na senda thelêmica, bem como sua
certeza de propósitos em relação a esta filosofia de vida, não iriam
durar muito tempo: ironicamente, esta seria sua última missiva dirigida a
seu Instrutor. Cinco dias depois, na sua famosa “noite negra do dia
24″, Paulo Coelho, junto a outros “subversivos”, é preso pela polícia do
exército. Sim, ele de fato viu o “diabo” e, muito embora estes não
possuíssem rabos pontudos nem chifres e usassem o verde oliva no lugar
do vermelho, esse seria – segundo o pouco criterioso modo thelêmico de
avaliação – o fim de sua carreira mágica, pelo menos naquilo que diz
respeito a Thelema. Na verdade, como um exame mais inteligente
demonstraria, este foi o início de sua realização tanto mágica quanto
pessoal.
Na época, contudo, provavelmente a forte formação cristã (católica)
de Paulo Coelho o tenha feito associar os dois fatos, mostrando-lhe
então o quão “errado” ele estava em seguir “os passos da Besta”. Mais
isso é apenas mera especulação. Devemos sempre lembrar que todos têm
direito de optar pelo que melhor lhes parecer. Alguns anos depois o novo
Paulo Coelho se transformaria no mundialmente famoso escritor que todos
conhecem. Não há lei além de faze o que tu queres e Paulo Coelho fez o
que realmente quis.
Aqueles que conhecem esta parte da história do hoje famoso mago,
sabem o quanto esta fase marcou o escritor que se formava. Esses também
especulam qual é a verdadeira origem do seu conhecimento que,
fragmentado e diluído, habita alguns de seus Best-sellers, além, é
claro, do que significaria sua Ordem de RAM (também especulando, é
curioso observar que a palavra inglesa RAM é designativa para Áries,
Carneiro ou ainda de Bode Montês – nesse caso, o Trunfo XV do Tarot de
Crowley).
Raul Seixas, por sua vez – que nunca quis vinculo formal com qualquer
organização de cunho thelêmico – seguindo o exemplo de praticamente
todos os estudantes de thelema daquela época os quais ainda guardavam
uma réstia de bom senso, rompeu definitivamente contato com Motta. Raul
Seixas, entretanto, seguiu de modo independente e anárquico,
características bem próprias a sua fantástica personalidade, a divulgar a
Lei de Thelema e a genialidade de Crowley. E assim, através de seus
próprios méritos, ele se consagrou, e mesmo hoje, após sua precoce morte
ele continua como uma agradável e inspiradora lembrança, bem vívida na
mente daqueles que amam a obra do sempre eterno maluco beleza.
Para muitos esse foi o fim do sonho da Sociedade Alternativa, para outros entretanto, seu verdadeiro início…